Dom Matteo Zuppi, 48 anos, � um dos 15 padres da Comunidade de Sant'Eg�dio, uma congrega��o de leigos que se tornou conhecida devido aos seus sucessos na media��o de conflitos. Dizem deles que s�o "diplomatas sem fronteiras", mas tamb�m j� lhes chamaram "magos". L�bano, Alb�nia, Mo�ambique, Arg�lia, Guatemala, Kosovo, Congo, Burundi s�o alguns dos marcos da sua geografia. Zuppi foi o art�fice da paz em Mo�ambique e mediador no Burundi. Devido ao acordo de paz ali alcan�ado, ficou depois a presidir � comiss�o de cessar-fogo. Tem uma vis�o cr�tica dos dirigentes africanos - s�o c�nicos face � mis�ria dos seus povos, preferem comprar armas a dialogar, enquanto enriquecem de um modo desmedido. � ele tamb�m o p�roco da bas�lica de Santa Maria in Trastevere, na capital italiana, onde todos os fins de tarde os membros da comunidade se juntam para uma ora��o colectiva a que emprestaram ritos de diferentes cultos. � nesta zona de Roma que se situa o antigo convento das carmelitas que serve de quartel-general � comunidade e que lhe deu, ali�s, o nome. Pobres, imigrantes clandestinos, sem-abrigo cruzam-se ali com antigos e actuais "pesos-pesados" da ordem internacional, que se tornaram visitas regulares da comunidade desde que esta ganhou fama de conciliadora. Sant'Egidio tamb�m n�o os dispensa, j� que tem como princ�pio a "sinergia" de esfor�os. Zuppi est� na comunidade desde a sua funda��o, em 1968. Coordena hoje o programa "DREAM" de luta contra a Sida em Mo�ambique.
O Iraque Deve Ser Entregue Aos Iraquianos Este Ano Este � um ano fundamental para os esbo�os de paz se tornarem realidade
O que podemos esperar do mundo em 2004? Mais guerras ou mais paz? S� podemos mesmo esperar que os conflitos em curso cheguem ao fim e, para isso, � preciso dar o m�ximo para se tentar resolver a quest�o da Terra Santa, de Jerusal�m, da Palestina. Temos que impedir que a guerra, que infelizmente marcou o ano passado, possa tamb�m continuar em 2004 a semear viol�ncia e agress�o. Para tal � preciso algo mais do que tem vindo a ser feito. � necess�rio ajudar a vencer as desigualdades. Porque o problema da viol�ncia, do terrorismo, n�o reside s� na l�gica de algumas organiza��es, mas tamb�m na injusti�a, na pobreza, na desigualdade, que s�o realidades que ajudam a quem quer semear o �dio e o medo. E por isso tamb�m, � absolutamente necess�rio um novo esfor�o para vencer as desigualdades e a pobreza no mundo. [Os membros da Comunidade de Sant'Egidio, para quem "a guerra � a m�e de todas as pobrezas", assumem que foi o seu trabalho com os pobres, nos sub�rbios de Roma, que os preparou para serem mediadores de paz ou, por outras palavras, que lhes abriu as portas da "gram�tica da reconcilia��o."]
Sendo o M�dio Oriente o que � hoje, que oportunidades reais � que existem para a paz? N�s pensamos que a paz � sempre poss�vel, necessita � de um esfor�o maior de todos os lados. Claro que h� muitas dificuldades e a maior de todas � que existe o grande risco de o terrorismo continuar, defraudando possibilidades, instalando o medo e criando assim mais muros. E por isso o desafio � fazer hoje exactamente o contr�rio. N�o � s� uma quest�o de controlar, mas sim de fazer o contr�rio da l�gica do terrorismo. Construir pontes, como disse o Papa, e avan�ar no di�logo entre religi�es, povos e culturas. [Palavras do apelo sa�do do �ltimo encontro entre religi�es promovido em 2003 pela Comunidade de Sant' Egidio, na Alemanha: "Redescobrimos o orgulho do di�logo (...). O di�logo n�o � a escolha dos cobardes. N�o enfraquece a identidade (...). E leva cada homem e mulher a ver o que de melhor existe no outro e a buscar o que de melhor tem em si (...)".]
O acordo de Genebra, proposto recentemente por elementos da sociedade civil de Israel e da Palestina, � um exemplo dessa atitude? � esse certamente o esp�rito do acordo de Genebra. Quanto ao texto do acordo haveria talvez algumas sugest�es ou correc��es a introduzir, mas o que na verdade importa � ter mostrado que � poss�vel dialogar e essa � uma indica��o de que est� no bom sentido. Nunca se deve assumir que n�o � poss�vel, que a oportunidade para o di�logo j� acabou. Sabendo n�s como a crise no M�dio Oriente � profunda e quais s�o os seus efeitos no mundo, � preciso ter a coragem para lhe fazer face de outros modos, que foi o que aconteceu em Genebra. [ E que ter� tamb�m acontecido em Mo�ambique, segundo o que foi evocado por Zuppi no 10� anivers�rios dos acordos de paz: "Para n�s de Sant'Egidio, a media��o mo�ambicana foi a prova da for�a d�bil dos crentes e dos homens de boa vontade(...) � uma for�a que n�o imp�e e que tem de fazer face aos poderosos interesses e raz�es da guerra. Para os crentes esta for�a vem do imperativo evang�lico de n�o ter inimigos."] Esses caminhos alternativos para o M�dio Oriente tamb�m passam pela Comunidade de Sant' Egidio? N�s vamos prosseguir o trabalho em prol do di�logo entre religi�es. � claro que o M�dio Oriente tem uma import�ncia particular para todas as tr�s religi�es de Abra�o, do Livro. E os esfor�os dos l�deres religiosos no sentido do di�logo podem ajudar a encontrar solu��es. O que as religi�es n�o podem � ser utilizadas para justificar as guerras ou os conflitos. Desde 1987 que promovemos anualmente um encontro de todas as religi�es pela paz [em 2000 decorreu em Lisboa]. Este ano ser� em Mil�o. Pensamos que este encontro e outros do g�nero ser�o uma indica��o para uma solu��o no M�dio Oriente. [ Do apelo de 2003: "O fundamentalismo � a doen�a infantil de todas as religi�es e culturas porque nos torna prisioneiros de uma cultura do inimigo, separa-nos dos outros, privilegia a viol�ncia em detrimento da paz".] "Procurar o que une e p�r de lado o que divide" foi a sua f�rmula para Mo�ambique. Mas ser� a reconcilia��o verdadeiramente poss�vel quando, como voc�s tamb�m dizem, os combatentes, e as v�timas, s�o "prisioneiros da mem�ria"? N�o � f�cil e tamb�m n�o h� uma f�rmula. Por exemplo, em Mo�ambique a reconcilia��o foi de base, o povo reconciliou-se sem comiss�es ou inqu�ritos. Na �frica do Sul a reconcilia��o foi feita atrav�s da Comiss�o Nacional da Verdade, um momento onde todos puderam tomar consci�ncia do que representou gera��es de viol�ncia e do sentimento face a ela. No Burundi existe a ideia de se avan�ar com uma comiss�o internacional. N�o existe uma s� maneira de se reconciliar. H� certamente o problema de se conjugar paz e justi�a, mas h� tamb�m o problema de conciliar mem�ria e futuro. �verdade que n�o h� futuro sem mem�ria, mas o futuro tamb�m necessita de n�o ficar prisioneiro do passado. Dito isto, penso que em todos pa�ses que foram marcados pela guerra, pelo sofrimento, pela viol�ncia, existe essa possibilidade de futuro.
Tamb�m para o Iraque? A curto prazo? � um grande ponto de interroga��o. Pensamos que � fundamental que o Iraque possa ser entregue aos iraquianos o mais rapidamente poss�vel. � essa a preocupa��o, que seja o mais rapidamente poss�vel. Tem que ser este ano. Porque essa � tamb�m a �nica possibilidade de o Iraque se come�ar a restabelecer como pa�s.
Acredita que, apesar da Hist�ria, os iraquianos acabar�o por se entender entre eles? Pode ser poss�vel. [Algumas regras do que � chamado o "m�todo de Sant'Egidio": promover o reconhecimento m�tuo das partes envolvidas no conflito; impedir o isolamento seja ele de um partido e um grupo ou de um dirigente, porque a posi��o de p�ria ajuda a actos de loucura; n�o ter pressa nas negocia��es; ajudar os combatentes a encontrarem o desejo de um futuro comum.]
Est� a tentar ser optimista ou � essa a sua postura de base? Temos para n�s que o pessimismo da raz�o � o optimismo da f�. Claro que existem sinais que nos levantam grandes interroga��es,mas tamb�m temos que olharo futuro, este ano j�, com esperan�a no compromisso pela paz, no di�logo entre religi�es. H� esperan�a e essa � uma esperan�a idealista, mas que vai mais al�m do idealismo. Em suma, � o que precisamos de ter para n�o ficarmos prisioneiros da realidade, do terrorismo. [Uma das convic��es da Comunidade de Sant'Egidio: "Se � verdade que ap�s o fim da Guerra Fria existem muitos que podem fazer guerras, tamb�m � verdade que hoje cada um de n�s pode trabalhar pela paz."]
N�o comunga ent�o da ideia de que entr�mos j� na Terceira Guerra Mundial... Oxal� que n�o. Penso que apesar da crise dos organismos de direito internacional e nomeadamente das Na��es Unidas, h� uma percep��o de todos de que uma guerra mundial seria verdadeiramente a �ltima. N�o podemos esquecer o sentimento da gera��o que se viu envolvida na II Guerra Mundial e que foi a gera��o que construiu a ordem e os mecanismos de paz. Porque a percep��o deles era a de que uma outra guerra seria a �ltima. Mas voltando ainda � quest�o de mais guerra ou mais paz, � bom tamb�m lembrar que existem situa��es que est�o a ter um desenvolvimento positivo. Estou a pensar no Sud�o. Mas tamb�m ainda mais claramente em Angola, que depois de tantos anos est� a ter o desafio de construir a paz, finalmente. Existem tamb�m sinais importantes na regi�o dos Grandes Lagos (Burundi, Ruanda, Congo). Mas este vai ser um ano fundamental para que estes esbo�os de paz ou sinais se possam tornar de facto realidades.
Fundamental porqu�? Porque se estes sinais n�o s�o estimulados podem transformar-se em recuos. Sabemos o que se passa em situa��es de conflito recente - quando a paz n�o se desenvolve � muito f�cil recuar. Os Grandes Lagos, por exemplo, que � a regi�o que mais sofrimento tem tido nestes �ltimos anos, precisa verdadeiramente de ajuda para sair da crise e alcan�ar uma paz duradoura. A Europa poderia ter aqui um papel determinante, mas continua de fora. Mas este vai ser tamb�m um ano decisivo para outra guerra em curso em �frica...
A da sida? Sim. Os dados que a Organiza��o Mundial de Sa�de divulgou em Dezembro vieram confirmar que se trata de uma quest�o de vida ou de morte para �frica. A esperan�a de vida desceu 10 anos, em cada dia morrem cinco mil homens e mulheres e mil crian�as. N�s temos desde 2002 um projecto de luta contra a sida em Mo�ambique, com centros terap�uticos, que vamos estender a outros pa�ses. Mas � uma luta contra o tempo. Mostr�mos que existem condi��es de a terapia chegar �s pessoas infectadas, s� que � preciso dinheiro. Nos pa�ses pobres apenas cinco por cento dos infectados t�m acesso a tratamento. At� agora a comunidade internacional fez muitos promessas, mas o dinheiro n�o vem. � um esc�ndalo. A percentagem do que chega a �frica est� t�o longe dos compromissos assumidos pelos governos ocidentais....
|